A giesta de A-dos-Fracos foi a musa para os grandes palcos de Lisboa
Júlio César Machado (1835-1890), filho afetivo da aldeia A-dos-Ruivos[1], ali passou a primeira infância, educado pela mãe e ensinado por um frade. Aos 9 anos, a família regressa a Lisboa e, na capital, no seio do meio artístico e literário, estreia-se na poesia, no teatro - aos 14 anos com a peça ‘Umas calças de lista’, no Teatro do Salitre - e depois no romance com ‘Estrela d’Alva’, no jornal ‘A semana’, de Camilo Castelo Branco.
A adoração pela natureza, a enorme empatia com o campo, o bucólico, a rusticidade campestre, a requintada sensibilidade, a capacidade de ver o íntimo das coisas e a facilidade em captar o lado alegre dos momentos permitiram-lhe uma escrita cativante, aliando a movimentação de uma grande cidade à beleza e tranquilidade incontestável do campo. Retratou almocreves, moleiros, cavadores, ceifeiros, pastores, saloios, descreveu romarias à Nossa Senhora dos Prazeres no Barrocalvo, à Santa Maria Madalena junto a A-dos-Negros; os círios no Senhor Jesus do Carvalhal; serões de convívio com famílias da terra e noites de cantares e romarias – a plena imortalização da vida simples, serena, e das gentes e paisagens da terra (‘Cenas da minha terra’, 1862), (‘A vida alegre’, 1881).
A nostalgia das montanhas, o canto da cigarra e dos rouxinóis acompanhavam-no. A giesta, flor silvestre da sua aldeia, era a musa das palavras e da vida alegre e elegante que vislumbrava: os mistérios e encantos de Lisboa cativavam-no. A cidade, a Lisboa das dificuldades, dos animados, dos políticos, dos empregados públicos, foi o seu grande palco (‘Lisboa na rua’, 1874; ‘Lisboa de Ontem’, 1877, ‘Mil e uma histórias’, 1888).
Avesso à melancolia e envelhecimento da juventude, fomentava a intensa e rica vida social e cultural. Pela sua personalidade e carácter cativantes, os contactos sociais, políticos, teatrais e literários fervilhavam, resultando assim em muitas e sólidas amizades. Prova disso são a intensa correspondência, cartões de visita, autógrafos, referências bibliográficas e jornalísticas, sinónimo da estima e consideração que conquistou junto dos seus pares e do grande público. Correspondeu-se com grandes figuras da história do pensamento, da política e das artes nacionais e estrangeiras: Alexandre Herculano, Victor Hugo, Bolhão Pato, Ramalho Ortigão, Pinheiro Chagas, Andrade Corvo, António Lopes de Mendonça, Verdi. Teve relação estreita de amizade com Rafael Bordalo Pinheiro, com quem publicou o livro ‘Teatros de Lisboa’ (1875).
O seu grande êxito foram os folhetins publicados em jornais onde, de forma espontânea, acessível, fluída, numa confidência estreita com o leitor, abordava múltiplos assuntos: a ópera do Teatro de S. Carlos, a caracterização e prestação dos artistas de teatros públicos e privados - o D. Maria, Trindade, Ginásio, o retrato e comentários das personagens dos palcos das letras, das artes, da política; uma anedota, uma história rural ou urbana, observações e críticas de elevada profundidade e sensibilidade.
Entre 1860 e 1861, sob o pseudónimo ‘Carolina’, assinou os periódicos ‘O rei e a ordem e A política liberal’, abordando várias temáticas sobre e na perspetiva da Mulher, nomeadamente, a defesa dos seus direitos.
Notabilizou-se como romancista, contista, dramaturgo, biógrafo, prefaciador, tradutor e cronista.
Júlio adorava viajar, conhecer o mundo, paisagens e gentes, pessoas ilustres, exóticas paragens. Vivia numa insatisfação inquieta, com ânsia pela aventura, pelas sensações fortes e espírito romântico. Amava as pessoas, a literatura, as artes e a glória. As suas ‘Impressões’ sobre Paris, em especial o encontro com Rossini, Londres, (‘Recordações de Paris e Londres’,1863) Veneza (‘Do Chiado a Veneza’, 1867), mas também sobre o Porto, Buçaco, Coimbra, Caldas da Rainha, Cadaval, Óbidos, Peniche, Évora, fazem-no destacar-se também na literatura de viagens do seu tempo.
O Projeto ‘Da Biblioteca para o Mundo’ é uma parceria entre a Comunidade Intermunicipal do Oeste e a Rede Intermunicipal de Bibliotecas do Oeste (RIBO) com o propósito de descobrir ou revisitar figuras do município que gravaram o seu nome nos livros.
Fotos: Coleção Museu Municipal do Bombarral
[1] Outrora ‘Durruivos’