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A giesta de A-dos-Fracos foi a musa para os grandes palcos de Lisboa

30 de agosto, 2024
Oeste CIM
Folha de guarda in ‘Retrato Literário, Júlio César Machado’, de Alfredo Mesquita, 1890. Coleção Museu Municipal do Bombarral
Folha de guarda in ‘Retrato Literário, Júlio César Machado’, de Alfredo Mesquita, 1890. Coleção Museu Municipal do Bombarral

Júlio César Machado (1835-1890), filho afetivo da aldeia A-dos-Ruivos[1], ali passou a primeira infância, educado pela mãe e ensinado por um frade. Aos 9 anos, a família regressa a Lisboa e, na capital, no seio do meio artístico e literário, estreia-se na poesia, no teatro - aos 14 anos com a peça ‘Umas calças de lista’, no Teatro do Salitre - e depois no romance com ‘Estrela d’Alva’, no jornal ‘A semana’, de Camilo Castelo Branco.

A adoração pela natureza, a enorme empatia com o campo, o bucólico, a rusticidade campestre, a requintada sensibilidade, a capacidade de ver o íntimo das coisas e a facilidade em captar o lado alegre dos momentos permitiram-lhe uma escrita cativante, aliando a movimentação de uma grande cidade à beleza e tranquilidade incontestável do campo. Retratou almocreves, moleiros, cavadores, ceifeiros, pastores, saloios, descreveu romarias à Nossa Senhora dos Prazeres no Barrocalvo, à Santa Maria Madalena junto a A-dos-Negros; os círios no Senhor Jesus do Carvalhal; serões de convívio com famílias da terra e noites de cantares e romarias – a plena imortalização da vida simples, serena, e das gentes e paisagens da terra (‘Cenas da minha terra’, 1862), (‘A vida alegre’, 1881).

A nostalgia das montanhas, o canto da cigarra e dos rouxinóis acompanhavam-no. A giesta, flor silvestre da sua aldeia, era a musa das palavras e da vida alegre e elegante que vislumbrava: os mistérios e encantos de Lisboa cativavam-no. A cidade, a Lisboa das dificuldades, dos animados, dos políticos, dos empregados públicos, foi o seu grande palco (‘Lisboa na rua’, 1874; ‘Lisboa de Ontem’, 1877, ‘Mil e uma histórias’, 1888).

Avesso à melancolia e envelhecimento da juventude, fomentava a intensa e rica vida social e cultural. Pela sua personalidade e carácter cativantes, os contactos sociais, políticos, teatrais e literários fervilhavam, resultando assim em muitas e sólidas amizades. Prova disso são a intensa correspondência, cartões de visita, autógrafos, referências bibliográficas e jornalísticas, sinónimo da estima e consideração que conquistou junto dos seus pares e do grande público. Correspondeu-se com grandes figuras da história do pensamento, da política e das artes nacionais e estrangeiras: Alexandre Herculano, Victor Hugo, Bolhão Pato, Ramalho Ortigão, Pinheiro Chagas, Andrade Corvo, António Lopes de Mendonça, Verdi. Teve relação estreita de amizade com Rafael Bordalo Pinheiro, com quem publicou o livro ‘Teatros de Lisboa’ (1875).

O seu grande êxito foram os folhetins publicados em jornais onde, de forma espontânea, acessível, fluída, numa confidência estreita com o leitor, abordava múltiplos assuntos: a ópera do Teatro de S. Carlos, a caracterização e prestação dos artistas de teatros públicos e privados - o D. Maria, Trindade, Ginásio, o retrato e comentários das personagens dos palcos das letras, das artes, da política; uma anedota, uma história rural ou urbana, observações e críticas de elevada profundidade e sensibilidade.

Entre 1860 e 1861, sob o pseudónimo ‘Carolina’, assinou os periódicos ‘O rei e a ordem e A política liberal’, abordando várias temáticas sobre e na perspetiva da Mulher, nomeadamente, a defesa dos seus direitos.

Notabilizou-se como romancista, contista, dramaturgo, biógrafo, prefaciador, tradutor e cronista.

Júlio adorava viajar, conhecer o mundo, paisagens e gentes, pessoas ilustres, exóticas paragens. Vivia numa insatisfação inquieta, com ânsia pela aventura, pelas sensações fortes e espírito romântico. Amava as pessoas, a literatura, as artes e a glória. As suas ‘Impressões’ sobre Paris, em especial o encontro com Rossini, Londres, (‘Recordações de Paris e Londres’,1863) Veneza (‘Do Chiado a Veneza’, 1867), mas também sobre o Porto, Buçaco, Coimbra, Caldas da Rainha, Cadaval, Óbidos, Peniche, Évora, fazem-no destacar-se também na literatura de viagens do seu tempo.

 

O Projeto ‘Da Biblioteca para o Mundo’ é uma parceria entre a Comunidade Intermunicipal do Oeste e a Rede Intermunicipal de Bibliotecas do Oeste (RIBO) com o propósito de descobrir ou revisitar figuras do município que gravaram o seu nome nos livros.

Fotos: Coleção Museu Municipal do Bombarral

 

[1] Outrora ‘Durruivos’

Última Atualização 29 agosto, 2024

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